Nery Porto Fabres

Somos o que pensamos

Nery Porto Fabres
Professor
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Olhava a praia do Cassino de cima de um prédio em construção, na avenida Atlântica. E à medida que os andares estavam sendo erguidos, o mar se engrandecia ao olhar. Agora chegamos ao terceiro piso e as paredes começam a ser levantadas, em breve outra laje dará a altura necessária para as vistas alcançarem a imagem dos navios desaparecendo no horizonte.

Para um fragatense (pelotense criado no bairro Fragata) como eu, que cresci às margens do canal São Gonçalo, rio Pelotas, arroio Fragata e traçava caminhos pelas areias da praia do Laranjal, viver no Cassino é uma realização pessoal. Mais que isso, envelhecer na maior praia do mundo, ao alcance dos olhos, é um prêmio por ter escolhido o caminho certo. E é na velhice que se descobre se as nossas escolhas eram as melhores. E olha que todos que me conheceram na infância e na juventude me apontavam outros caminhos. Neste ponto, o qual se refere ao caminho que devemos escolher em nossa fase jovem, isso, impreterivelmente, deve ser uma escolha personalíssima. Porque cada um é responsável por suas escolhas e não existe dedo bom para apontar e direcionar os caminhos da vida de outra pessoa, cada indivíduo é o protagonista de sua história de vida.

Desde cedo fui curioso, busquei amizade aos 11 anos com um vizinho de 20, soldado do Exército e filho de dono de banca de revistas. Morava com os avós ao lado da casa de meus pais. Possuía uma verdadeira fortuna em caixas por todo o seu quarto, eram todas as informações necessárias para eu entender do mundo. Dentre elas estava A volta ao mundo em 80 dias, Vinte mil léguas submarinas, Viagem ao centro da Terra (todas as três obras são de Júlio Verne), Fernão Capelo Gaivota (Richard Bach), O pequeno príncipe (Antoine de Saint-Exupéry) e, em meio às leituras que exercia por paixão, li muitos clássicos infantis, infantojuvenis e continuei lendo sempre. Ali foi o pontapé inicial. Por isso devemos escolher nossas amizades ainda jovenzinhos.

Há pouco, já adulto, li a obra de Saulo Ramos, ex-ministro da Justiça, intitulada Código da Vida. O brilhante jurista faz, com maestria, a apresentação do advogado e suas rotinas, narrando em primeira pessoa casos concretos. Quem conhece a área jurídica sabe que ela é extensamente composta por códigos - Código Civil, Código Penal, Código Tributário, Código de Trânsito, etc. - então, o título Código da Vida veio muito bem a calhar para falar de um operador do Direito em um mundo em que as Ciências Jurídicas e Sociais normatizam as condutas humanas. E, claro, viver é uma escolha permanente, é um dever/fazer a coisa certa sem titubear. E vivemos sempre tomando decisões. O difícil mesmo não é tomarmos decisões, e sim fazer os outros compreenderem elas e os nossos projetos de vida.

Eu vivia a vida jovem com força, com determinação, nunca me apeguei a nada. Sempre entendi que sem vínculos era bem mais fácil se esquivar das trapaças da vida, das paixões, dos vícios, dos descaminhos. E isso nada tinha a ver com os valores éticos e morais que recebi de meus pais. Os valores que carrego na vida vêm da terra onde enterrei minhas raízes. Vêm dos livros de um antigo vizinho, de seus atos retos, de seu afinco com o curso de Meteorologia que cursava. Mesmo jovem eu podia comparar atitudes de familiares, vizinhos e sociedade em geral. Aos 14 anos já tinha Carteira de Trabalho assinada. Meu livre arbítrio empurrou meu olhar para o trabalho, depois aos estudos e sempre me vi direcionado por um sonho realizável. E o resultado não poderia ser diferente.

Porque somos o que pensamos, custa para se materializar este pensamento. No entanto, acontece de uma forma natural. Hoje nado diariamente na maior praia do mundo. Se sonhasse mais alto, talvez me custasse o tempo que preciso para entrar no mar e viver sentindo o cheiro da felicidade nas espumas das ondas cassinenses.

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